Não marcharemos ao lado dos que nos odeiam
Luiz Modesto
O Brasil segue para um momento decisivo, fruto do agravamento de uma crise política que tem paralisado o governo e fragilizado a economia nacional, e é fundamental que nós, Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, saibamos compreender como estão posicionadas as forças políticas nesse jogo de interesses que vai muito além da bandeira do combate a corrupção.
Se olharmos com atenção para os grupos que têm inflamado brasileiros e brasileiras a irem às ruas pedindo o impeachment/renúncia de Dilma, identificaremos, em sua totalidade, a lista dos parlamentares e lideranças que atuaram para impedir que iniciativas como o PL 122/06, que criminalizaria a lgbtfobia, fossem aprovados na Câmara dos Deputados e Senado Federal. Recordemos alguns:
Entre tantos, Eduardo Cunha, deputado federal pelo PMDB, que é autor do projeto que criminaliza a heterofobia e que desenterrou o “dia do orgulho hétero”, além de se autodeclarar um dos parlamentares mais atuantes na luta contra o “casamento gay” e ter ressuscitado o projeto que proíbe a adoção de crianças por casais homoafetivos. Como presidente da Câmara dos Deputados, atuou para retirar direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, reorganizou pautas priorizando votações que favorecessem planos de saúde, bancos, igrejas e latifundiários, fortaleceu a bancada religiosa fundamentalista e manobrou para que seus projetos fossem aprovados (como a PEC da Redução da Maioridade Penal, que mesmo rejeitada foi reapresentada, ainda que contra a norma da Constituição). Com seus aliados, protela andamento do próprio processo no Conselho de Ética, onde é investigado por quebra de decoro parlamentar e por ocultar contas na Suíça.
Há também Jair Bolsonaro, deputado federal pelo PSC, que afirmou que “Ter filho gay é falta de porrada”, que “Seria incapaz de amar um filho homossexual, prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí”, e que “Mulher deve ganhar salário menor porque engravida”. Jair surfa nas ondas verde e amarelas das manifestações que ajudou a convocar, onde ganhou a alcunha de “Bolsomito”. Com ares de parlamentar ao lado do povo contra a corrupção e a “destruição de valores”, Jair procura potencializar pré-campanha à presidência do Brasil em cima de pautas antidemocráticas e fundamentalistas.
Pastor Marco Feliciano, deputado federal pelo PSC, é defensor da “cura gay”, presidiu a Comissão de Direitos Humanos da Câmara em 2013, onde tentou suspender a resolução do Conselho Nacional de Justiça que reconhece casamento homoafetivo e barrou o PL 6297/2005, que garantiria à população LGBT o direito de declararem companheiro/companheira como dependente para fins previdenciários.
Temos também o deputado João Campos, pelo PSDB, autor do projeto de lei que reconhece a “Cura Gay”; o deputado Anderson Ferreira, pelo PR, autor do “Estatuto da Família”, que define como família apenas o grupo formado por homem, mulher e filhos; Senador Magno Malta, do PR, que inviabilizou o Programa Escola Sem Homofobia, entre tantos outros que seguem posicionados exatamente no mesmo front. Há também Marina Silva, da Rede, que vetou propostas voltadas a população LGBT em seu programa de governo quando candidata à presidência em 2014, Pastor Silas Malafaia, um dos mais influentes ativistas anti-LGBT, e Marisa Lobo, “psicóloga cristã” defensora da “cura gay”, entre tantos e tantas mais.
Ao fim do processo eleitoral de 2014 que reelegeu Dilma Rousseff como presidenta do Brasil, estas forças políticas que formam a cruzada anti-LGBT por todo o país, aliados à chamada bancada da bala, que tenta ocultar a violência policial e o extermínio da população jovem negra e das pessoas transexuais e travestis nas grandes cidades, além dos representantes dos setores mais conservadores da Igreja Católica, como a Opus Dei e dos herdeiros da Tradição, Família e Propriedade – TFP, dispararam o terceiro turno.
A estratégia era barrar, no Congresso, tudo o que pudesse dar condições para que o governo levasse o País a retomar o crescimento. A palavra de ordem dos parlamentares de oposição era “obstrução” ao que vinha do Planalto, ao mesmo tempo que garantiram a tramitação de projetos como: da terceirização, que retiram direitos das mulheres vítimas de violência sexual e que criminalizam as manifestações sociais.
O enfrentamento a corruptos e corruptores ganhou musculatura na última década e, pela primeira vez no Brasil, políticos e grandes empresários foram presos. A impressão de que a velha prática dos engavetadores havia se encerrado entra em xeque quando, ao mesmo tempo em que processos como o chamado “Mensalão do PT” tinham seguimento e celeridade, outros, envolvendo lideranças de oposição e, hoje, entusiastas do impeachment, como o “Trensalão Tucano”, o “Mensalão Tucano de Minas” e a “Privataria Tucana”, nunca seguiram a diante.
Se, por um lado, a justiça brasileira tem desfrutado de autonomia para dar andamento em investigações contra grandes empresários e políticos de alto escalão, por outro, membros desse mesmo aparato estatal têm se arrogado o direito de vazamentos seletivos de informações confidenciais, municiando de fragmentos os principais veículos de imprensa nacional, que tratam de apresentar ininterruptamente factóides e estimular prejulgamentos,condenando midiaticamente antes mesmo de concluir investigação, provar, julgar e sentenciar, desestabilizando as instituições democráticas.
Na recente democracia brasileira, conquistada à tão duras penas, não haveremos de nos deixar entorpecer pelo mesmo discurso da “corrupção do outro”, tal como fizeram os opositores de Getúlio Vargas, de Jucelino Kubitschek e de João Goulart.
O combate à corrupção, bandeira reivindicada pelos que fomentam e instrumentalizam a atual marcha que grita impeachment e impregna as ruas de ódio, constitui a mais vil demagogia. Dos parlamentares de oposição que constituem a comissão que aprecia o pedido de impeachment, mais da metade é investigada em casos de corrupção. Dos membros da Fiesp, principal financiadora dos atos pró-impeachment, resta o peso de, junto com a Rede Globo de Televisão, contribuírem com o déficit de 420 bilhões de reais na arrecadação só em 2015, dinheiro sonegado que, como os 21 bilhões estimados do chamado “Petrolão”, cairiam muito bem para a educação, saúde e infraestrutura do Brasil.
Resta a nós, Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Mulheres, Negras e Negros, Nordestinas e Nordestinos, Indígenas, Pobres, Trabalhadoras e Trabalhadores, olharmos para o tabuleiro político atual e identificar quem está de cada lado. Resta a nós entender que, por coerência, qualquer consequência de uma ruptura democrática como a de 1964, quando do Golpe Militar, recairá mais pesadamente sobre nossos ombros. Resta a nós a clareza de que, para nosso bem, não engrossaremos as fileiras dos demagogos, dos corruptos e corruptores dissimulados, dos que nunca estiveram conosco e nunca estarão. Resta a nós esclarecer àqueles que ainda não entenderam isso:
Não marcharemos ao lado dos que nos odeiam!