Cunha e a cruzada contra “gays, abortistas e maconheiros”
Carta Capital
Deixem de pensar por um minuto em Bolsonaro ou no Marco Feliciano. O inimigo número 1 dos LGBTs (e das mulheres, das minorias, dos movimentos sociais, dos maconheiros e de mais um monte de gente) na próxima temporada tem nome: Eduardo Cunha. Em breve é possível que ele tenha também novo cargo, um dos mais altos da República, a presidência da Câmara dos Deputados.
“Estamos sob ataque dos gays, abortistas e maconheiros”, já tuitou, peremptório, o deputado carioca do PMDB, o mais esperto representante dos fundamentalistas religiosos no Congresso.
Em 2010, Eduardo Cunha apresentou um projeto no mínimo excêntrico, para não dizer insolente: a criminalização da heterofobia. No alto de sua hombridade, Cunha se sentia “descriminado” pelos LGBTs, como argumentou na época. Mas isso é fichinha…
Vamos às apresentações. Eduardo Cunha, 56 anos, é radialista, economista e líder evangélico. Entrou na política pelas mãos do tesoureiro do ex-presidente Fernando Collor, o falecido PC Farias. Cunha era o responsável pelas finanças do comitê carioca do então candidato, em 1989. Virou presidente da antiga Telerj, a companhia telefônica do Rio. Foi exonerado depois de um escândalo de corrupção na estatal.
Tornou-se então radialista da Melodia, rádio de propriedade do pastor e ex-deputado Francisco Silva, fundador da Igreja Sara Nossa Terra. Evangélico, Cunha reapareceu no centro da política carioca em 1999, com a ajuda do então governador Anthony Garotinho. Virou presidente da Companhia Estadual de Habitação, mas ficou no cargo por apenas seis meses. Foi afastado em meio a outro escândalo de corrupção.
Em 2001, virou deputado estadual (era suplente), garantindo imunidade parlamentar em meio às investigações. Daí em diante teve uma carreira meteórica, embalada pelo bordão de seu programa de rádio “O povo merece respeito!”. No ano seguinte, elegeu-se deputado federal. Não demorou muito para se tornar um mestre do ofício nos corredores do Congresso.
Eduardo Cunha, agora do PMDB (já foi PRN e PPB), é o nome mais cotado para ganhar a presidência da Câmara. Ou seja, ele será a pessoa a escolher qual projeto de lei vai ou não a votação no plenário. E Cunha já avisou: não colocará na pauta qualquer projeto que criminalize a homofobia, que mude a lei do aborto ou que revise a política de drogas.
Ou seja, o compromisso de Dilma Rousseff de pautar a criminalização da homo e da transfobia no Brasil está em risco. Cunha, aliás, é um dos grandes pesadelos da presidenta e o mais resiliente exemplo da esquizofrenia e disfuncionalidade do sistema político brasileiro (cadê a Reforma Política?).
Embora seja do PMDB, um partido em tese aliado, tem sido o grande inimigo do Planalto. (E você, que é de oposição de esquerda, não precisa comemorar esse fato, como já verá).
Cunha foi um dos maiores empecilhos na aprovação de legislações progressistas como o Marco Civil da Internet. Era ferrenho opositor da “neutralidade da rede”, que proíbe as empresas de telecomunicações de regular o conteúdo que circula no serviço de internet. A liberdade na rede do cidadão significa, nesse caso, menos lucros para as teles o que explica o lobby ferrenho dessas empresas para barrar a legislação.
Habilidoso e determinado, Eduardo Cunha montou uma imensa rede de contatos e apoios na Câmara (sempre com as piores companhias). Um alto integrante do governo já me disse em conversa reservada que “se precisar fazer reunião as 7h da manhã, ele está lá”.
Reportagem da Folha de S. Paulo mostrou que Cunha driblou até mesmo os caciques do PMDB ao formar uma bancada particular:
“O executivo de uma grande empresa disse à Folha que este ano recebeu de Cunha pedido para fazer doações a um grupo de 20 a 30 candidatos a deputado, a maior parte do Rio, de Minas Gerais e do Nordeste”, disse a reportagem.
“Foi assim que o líder do PMDB montou ‘uma cadeia de agradecimentos'” no Congresso, segundo o jornal. São esses deputados os que podem eleger Cunha. Estratégia digna de Frank Underwood, o ambicioso deputado americano retratado na série House of Cards.
Para quem acha que a falta de água em São Paulo e os apagões elétricos já indicam um ano desastroso, calma! No Congresso Nacional 2015 só começa dia 1 de fevereiro, com a posse dos novos deputados. Agora, sob nova direção.