MCs paulistanos fazem rap LGBT e enfrentam homofobia e machismo
“Existe um novo significado do ‘corajoso’ no rap: eu posso ser morto todo dia, porque sou negro, gay e da periferia –é só você olhar as estatísticas–, e eu coloco minha cara lá fora”, diz o rapper Rico Dalasam, 25, de Taboão da Serra, na Grande São Paulo.
Em um meio musical dominado por “machões”, Rico canta, sem medo, versos como “‘boy’, vim para ser seu ‘man'” [garoto, vim para ser seu homem], de “Aceite-C”, seu primeiro single.
Desde o lançamento, em dezembro de 2014, o clipe já atingiu mais de 84 mil visualizações no YouTube.
Rico é um dos expoentes brasileiros do movimento que, nos Estados Unidos, ganhou o apelido de “queer rap” (ou “rap gay”).
“Eu queria falar de amores do jeito que eu os vivo,” diz o rapper, que prepara sua primeira turnê pelo Brasil –por pelo menos cinco Estados– e foi para Nova York gravar o clipe da música “Não Posso Esperar”, com lançamento programado para abril.
Apesar disso, Rico, que se inspira nos americanos Prince e Rick James (1948-2004), afirma que há dificuldades para artistas gays se posicionarem no rap. “A gente ainda tem que construir um público gay, e um público negro gay, porque não é um show que cabe num line-up tradicional”.
VETERANA
Se Rico é recém-chegado no rap, a MC Luana Hansen, 34, de Pirituba, na zona oeste, assumidamente lésbica e ativista, já tem 14 anos de estrada no hip-hop.
Ela, porém, diz que também enfrentou preconceito.
“Depois que eu passei a me assumir, muitas portas se fecharam e várias pessoas passaram a fingir que eu não existia, diziam que eu tinha acabado de chegar.”
Não é bem assim. Em 2005, Luana ganhou o prêmio Hutúz —mais importante do rap brasileiro— de melhor demo feminina com seu primeiro grupo, A-TAL, formado por três mulheres.
Ela conta que, a pedido das colegas, não era abertamente lésbica, na época. “Elas me pediram: não se assume, que você vai queimar a gente.”
O grupo acabou em 2010, segundo ela. Foi aí que Luana começou a se aproximar de grupos feministas, em especial o Católicas pelo Direito de Decidir, que luta pela descriminalização do aborto.
Em 2012, gravou com a ativista feminista e lésbica Elisa Gargiulo o clipe “Ventre Livre de Fato”, com cerca de 42 mil visualizações no YouTube.
“Foi depois de conhecer as ‘minas’ feministas que eu comecei a perceber a importância de eu ser negra, lésbica e assumida, porque o rap não abre espaço para a gente”, diz.
A partir daí,a MC tornou-se presença certa em eventos paulistanos de militância LGBT e feminista.
Em 2014, por exemplo, participou da “Caminhada Lésbica”, evento que acontece no final de semana da Parada Gay; em 2015, fez o show de abertura do festival Periferia Trans, no Grajaú, extremo sul da cidade, e no Dia Internacional da Mulher, em um carro de som de uma passeata na avenida Paulista.
“As pessoas realmente acham que eu trago um pouco da voz da mulher feminista, da mulher lésbica.”
RÓTULO
Nos Estados Unidos, onde o “queer rap” conta com nomes estabelecidos como os de Mykki Blanco, Angel Haze e Cakes da Killa, os artistas começam a rechaçar o rótulo.
“Não existe um ‘rap hétero’, então por que existiria um ‘rap gay’?” questiona Da Killa. “O que temos são rappers gays que fazem músicas muito diferentes uma da outra.”
Para Rico Dalasam, o termo é utilizado no Brasil para que o público se familiarize com os novos artistas. “Acho muito difícil não usar essa ‘tag’ [etiqueta], porque se não usamos, não entendem. Ainda dá nó na cabeça de muita gente.”
Segundo ele, no entanto, é só questão de tempo até que o rap assumido tome conta do meio musical. “Tem muita gente fazendo, você vai ver. Logo vai estourar.”