A cada 33 horas um homossexual é assassinado no país
Guilherme, de 20 anos, passou dois meses internado em um hospital tentando se recuperar dos golpes de faca que levou em julho de 2012. O seu crime foi chamar de “bebê” o garçom do bar onde lanchava com os amigos, em Brasília. Guilherme não resistiu aos ferimentos e agora engrossa as estatísticas de assassinatos de homossexuais no país. Em 2011, levantamento feito pelo Grupo Gay da Bahia (GGB) identificou 266 homossexuais assassinados no país. O estudo, que é feito anualmente pela organização desde 2004, aponta para um aumento do número de crimes contra a população LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) no Brasil. Entre 2007 e 2011 o aumento foi de 122%. Além de Guilherme, uma das vítimas recentes da homofobia foi o jornalista goiano Lucas Fortuna.
Lucas foi morto neste mês em Cabo do Santo Agostinho (PE). Estava na cidade a trabalho e foi encontrado morto na praia, com sinais de espancamento e marcas de facadas. A causa da morte foi afogamento. Lucas era uma liderança do movimento LGBT em Goiânia (GO) e lutava pela aprovação do projeto de lei 122/2006, que prevê que a homofobia, assim como o racismo, seja considerada crime.
Geografia da intolerância
Entre os estados, a Bahia lidera o ranking em número absolutos de mortes de homossexuais em 2011: 28 homicídios. Em seguida aparecem Pernambuco (25) e São Paulo (24). O estudo do antropólogo Luiz Mott, fundador do GGB, destaca que proporcionalmente ao tamanho da população, o Nordeste é a região mais homofóbica do país, já que abriga 30% dos brasileiros e registrou 46% dos assassinados LGBTs.
Os assassinatos são, em geral, marcados pela violência extrema. Além da arma de fogo, muitas vítimas foram mortas por armas brancas – faca, foice, machado – espancamento e enforcamento. Há ainda casos de degolamento, tortura e carbonização. Para o GGB, essas características indicam que se tratam não de ocorrências banais, mas de crimes de ódio contra ese grupo.
O relatório é feito com base em notícias que circulam na internet ou publicados em jornais. Não cobre, portanto, a totalidade dos casos, que certamente superam os números levantados pelo GGB. Apesar dos apelos da entidade, não há nenhum levantamento oficial, feito pelo governo, identificando o problema.
Lucas Fortuna, 28 anos, Cabo de Santo Agostinho (PE)
Jornalista, Lucas viajou para Pernambuco para trabalhar com árbitro de um campeonato de vôlei. Militante da causa LGBT, ele foi encontrado morto na praia, com sinais de facadas e espancamento. Por ter sido encontrado apenas de cueca, a família acredita em crime de homofobia. Lucas era presidente do PT em uma cidade goiana e fundou o Grupo Colcha de Retalhos na Universidade Federal de Goiás (UFG). Ajudou a organizar várias paradas gays no estado e sempre lutou pela aprovação do projeto de lei que tramita no Congresso Nacional e pretende tornar a homofobia crime.
Igor Xavier, 29 anos, Montes Claros (MG)
O bailarino e coreógrafo Igor Xavier foi assassinado em maio de 2002 na cidade mineira de Montes Claros, onde morava. Foi morto com cinco tiros por dois homens – pai e filho. Os dois entraram em contato com Igor oferecendo apoio para um espetáculo que o bailarino estava montando na cidade. Dessa forma o levaram ao apartamento da família, onde o mataram. Igor era uma figura muito popular na cidade. “Nunca me calei, nunca aceitei. Porque quem cala consente. Junto com a classe artística sempre me movimentei para pedir justiça”, conta a mãe de Igor, Marlene Xavier. “A impunidade ger a violência”.
Alexandre Ivo, 14 anos, São Gonçalo (RJ)
Aos 14 anos, o estudante Alexandre Ivo foi torturado e assassinado por um grupo de skinheads ao sair de uma festa. O crime ocorreu em São Gonçalo, em junho de 2010. A mãe de Alexandre, Angélica, conta que o filho ainda não tinha escolhido sua opção sexual. “Ele era jovem, bonito, inteligente, e isso incomoda as pessoas”, contou Angélica durante audiência pública na Comissão de Direitos Humanos da Câmara. “Eu não sabia o que era crime de ódio, não conhecia essa palavra. Para mim, crime era faca ou bala, não sabia que alguém tirava a vida de um ser humano por esse motivo com esse requinte”, disse.
Guilherme Arthur, 20 anos, Brasília (DF)
O comerciante Guilherme Arthur é outra vítima recente da homofobia. Enquanto lanchava em um bar com amigos no bairro do Cruzeiro, em Brasília, ele chamou o garçom de “bebê”. O agressor não gostou da forma como foi tratado e, pensando ser uma cantada, esfaqueou Guilherme. O jovem passou mais de dois meses internado, mas não resistiu aos ferimentos e morreu em outubro deste ano. A amiga Juliana Vaz, que ajudou a família a cuidar de Guilherme durante a internação, conta que ele era cheio de planos para o futuro. Passou no vestibular e começaria em poucas semanas antes do ocorrido o curso em gestão de eventos. “Ele era uma pessoa sociável, amava a vida com todas as forças, não tinha problema com ninguém”, diz. O assassino de Guilherme já está preso.