Travesti é primeiro lugar em vestibular de universidade federal
Caio Delcolli, do HuffPost Brasil
A realidade das travestis no Brasil muitas vezes é associada a prostituição, uso de drogas, criminalidade e suicídio.
A presença delas em outras esferas, como nos ambientes acadêmico e corporativo, é fundamental para garantir a representatividade do grupo na sociedade como um todo.
Nesta semana, uma militante de São Paulo deu um passo importante na inclusão de trans no ensino superior.
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Aos 28 anos, a travesti Amanda Palha foi aprovada em primeiro lugar pelo Sisu (Sistema de Seleção Unificada) no curso de Serviço Social da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).
Amanda compartilhou a boa notícia no Facebook nesta segunda-feira (16).
“Eu não via muito sentido em fazer uma faculdade”, disse em entrevista ao HuffPost Brasil. “A gente sabe que o mercado de trabalho é fechado para gente, independente de ser formada ou não.”
Amanda concluiu o ensino médio sem a ambição de continuar com os estudos, mas com o passar do tempo, mudou de ideia. Ao conseguir um emprego na área de serviço social em São Paulo e ajudar pessoas em situação de rua, percebeu que era naquilo que gostaria de seguir.
“Foi a primeira vez que uma carreira que me fez falar, ‘nossa, para isso eu estudaria. Me daria tesão para fazer uma faculdade’. Isso foi fundamental”, explica.
“Nos últimos dois, três anos, comecei a prestar o vestibular, mas me esforçando mesmo, sem muito sucesso. Até passei para a segunda fase da Fuvest no ano passado, mas acabei tendo uma crise de pânico e não fui fazer a prova.”
Também em 2015, Amanda fez um curso de formação política que foi essencial para fazer o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), prova que permite concorrer a vagas pelo Sisu.
A escolha de curso também é importante para o que virá no futuro dela: Amanda pretende seguir carreira acadêmica, com mestrado e doutorado.
“Eu tenho muito interesse em pesquisa. Tenho bastante proximidade com estudos de economia política e gênero”, disse.
Eis os planos da mais nova caloura:
“Os estudos de gênero carecem de uma perspectiva contemporânea das questões de transexualidades e travestilidade. Desenvolver esse conteúdo pode ser muito benéfico para que a gente possa pensar a situação política dessa população de outra forma. E na atuação profissional de fato, porque a gente sabe que transexuais são parte significativa da população de rua. A atuação profissional de assistentes sociais bem preparados para lidar com a questão é fundamental. Isso faz um diferencial gigante.”
Amanda não chegou a usar o nome social na inscrição para o Enem, mas isso não foi impeditivo de ser tratada pelo nome social e gênero correto enquanto a prova era aplicada.
Para Amanda, sua aprovação no vestibular não é exatamente uma vitória ampla – é mais pontual, um início de trajeto.
“Ela pode ser uma vitória para nossa população a partir do que a gente vai fazer com isso. A mera inclusão de pessoas trans na faculdade não significa muita coisa se existir isoladamente”, explica.
“O que pode efetivamente provocar mudança é o que essas pessoas [trans] que estão entrando na faculdade vão fazer com a ocupação desse espaço, produzir conhecimento para nossa população, capacitar profissionais que lidem com nossa população.”
“Sou bastante crítica a respeito disso. O que faz diferença é o que a gente faz dentro espaço. Por isso que eu não acho que é uma vitória ainda, é um começo. A partir daí, começa a batalha de verdade nesse espaço. E, talvez, as outras vitórias venham. Por enquanto, é um começo de trajeto.”