Deputada D’Ávila diz que causa LGBT não avança por conservadorismo

Aos 30 anos de idade, a deputada federal Manuela D’Ávila é dona de um currículo político invejável. Com uma carreira que se iniciou ainda no movimento estudantil, com apenas 23 anos, ela foi eleita vereadora de Porto Alegre e, aos 25, foi a deputada federal mais votada nas eleições de 2006, quebrando recordes no Rio Grande do Sul.

Sua atuação na Câmara Federal sempre esteve pautada, principalmente, em temas que envolvem a juventude e questões ligadas aos direitos humanos, inclusive os direitos civis LGBT. No ano passado, Manuela foi uma das maiores lutadoras pela aprovação do PLC 122 e, ao lado do deputado Jean Wyllys, é uma das principais defensoras dos gays no Parlamento.

Em entrevista exclusiva, a deputada conta de onde vem a identificação com os homossexuais, diz que falta “ousadia” a presidenta Dilma para enfrentar questões ligadas aos gays e critica a onda conservadora que domina a Câmara e o Senado.

A sra. sempre teve uma atuação de destaque em projetos que norteiam a juventude, os universitários. De onde vem essa identificação com o público jovem?
O meu primeiro mandato foi com 22 anos de idade. Vim do movimento estudantil, fui eleita vereadora. Ainda muito jovem fui eleita deputada federal. É difícil pensar alguém que tenha uma atuação que surge no movimento estudantil e que não esteja muito próxima aos direitos deste segmento da população. Mas acho que existe um outro fator concreto, que é o fato do Brasil ser um país muito jovem, um país que vive transformações bastante profundas. Independente de eu ser jovem ou não, é preciso que o Parlamento entenda que o Brasil é um país latino-americano com 56 milhões de pessoas jovens e, portanto, é preciso pensar o futuro do país envolvendo essas pessoas.

Os jovens de hoje estão menos preocupados com as questões políticas do país?
Não. Acho que os jovens estão preocupados de forma diferente. Não tem como você comparar a juventude de hoje com a da ditadura militar. Mas acho que seria uma irresponsabilidade dizer que os jovens estão menos preocupados num Brasil que tem milhões de jovens, por exemplo, que se manifestam culturalmente no hip hop, que organizam paradas gays em todas as capitais e grandes cidades, que lutam pela defesa do meio ambiente. Existe uma juventude organizada em diversas formas de luta. Não existe, talvez, uma juventude que tenha que lutar pela democracia de maneira unificada como na década de 70. Talvez a juventude não esteja tão organizada quanto foi em outros períodos, mas de maneira mais dispersa.

Por que a luta pelos LGBT virou um dos pilares do seu mandato?
No caso das pessoas que defendem direitos humanos, não existe um momento em que isso entra na sua pauta. Você lida com a diversidade, com pessoas que tem outra cor, outra religião, outra orientação sexual. É uma característica de diferença que existe em nossa sociedade. Não é a única. Apenas mais uma. Para mim é tão simples tratar disso quanto tratar de liberdade religiosa. É uma coisa única. Talvez tenha ganhado mais dimensão porque a Câmara ou a política é um espaço muito conservador e poucas pessoas trabalham com esse tema no Parlamento. No meu primeiro mandato de vereadora em Porto Alegre, apresentei um projeto de cassação do alvará dos estabelecimentos que agredissem civicamente ou verbalmente os casais homossexuais. Desde sempre isso faz parte da minha militância.

Como surgiu a ideia de inserir no Estatuto da Juventude demandas como, por exemplo, a questão da orientação sexual?
Não existiria Estatuto da Juventude se a pauta LGBT não estivesse dentro. Como não existiria uma lei completa se ela não trabalhasse com o ser humano em todas as suas dimensões. Foi algo natural. O Estatuto teve uma intensa participação popular, mais de 30% do relatório foi feito a partir da contribuição da população. Teve várias formas de inserção. O texto original do meu substitutivo, as contribuições da população. Isso gerou o primeiro texto. Depois teve o fato de termos conseguido, pela primeira vez, uma vitória consensualizada entre a Frente Evangélica e a Frente LGBT. Isso para mim é um marco. Não podemos tornar as diferenças maiores do que elas são. Não existe nenhuma diferença real entre defender a livre orientação sexual e a garantia da liberdade religiosa. Quem diz que isso existe, nega a Constituição brasileira. A legislação tem como conciliar harmonicamente as duas dimensões sempre, como concilia outras questões. Determinadas igrejas julgam pecado o divórcio e a lei civil permite o divórcio. Ninguém é obrigado a se divorciar e nenhuma igreja a aceitar o casamento, nem mesmo o divórcio. Foi bonito porque foi a lei natural, consequência da realidade, e não das disputas artificiais da política.

Questões relevantes como a união estável gay, a marcha da maconha e o aborto de anencéfalos vêm sendo discutidas sob a perspectiva religiosa por alguns deputados da bancada evangélica num Estado que é laico em sua Constituição. O que a sra. pensa disso?
Existem vários parlamentares da bancada evangélica que não têm essa opinião que muitas vezes é a opinião impressa. Acho que é preciso compreender a diversidade. Existe uma parte da bancada evangélica que é parceira na construção de políticas que combatam a homofobia. A maior prova disso é o Estatuto da Juventude. A diferença é a quem nós damos voz. Nesse “nós” eu incluo a imprensa. Muitos setores da imprensa adoram dar voz ao Jair Bolsonaro. Quem é o Bolsonaro? Quanto ele representa dentro da Câmara? Muito pouco. Acho que tem uma distorção entre quem tem voz e a quem se dá voz na bancada evangélica. Nunca tive nenhum problema com a bancada evangélica. Já tive que negociar projetos, claro. Mas como nós conseguimos aprovar? Porque há uma maior parte a favor. Matemática, não é?! Não é apenas isso que faz a Câmara não votar. É uma posição muito cômoda para os deputados dizer que não se votam determinadas matérias por conta da bancada evangélica.

E se não for na bancada evangélica, onde está o problema?
Quando a Marta Suplicy propôs a união civil, não tinha bancada evangélica no Congresso e mesmo assim ele não foi aprovado. Existe um conservadorismo, que não é relacionado apenas aos evangélicos. Não estou dizendo que não tem problemas. Sei que tem porque convivo com eles aqui. Mas sempre é fácil achar uma explicação por causa disso. O problema não é: o Congresso é evangélico. O problema é: o Congresso é conservador para estas matérias. O Congresso é conservador para cotas de mulheres na política e para várias matérias progressistas. A gente tem que olhar qual é o problema real se porque se a gente mira no alvo errado, a gente não consegue ter avanço. A bancada evangélica está organizada. Mas eles são só 100. E os outros 400? Quando precisamos votar o PLC 122, tivemos que sentar e aprovar com eles sim. Mas por que antes a Marta não conseguia aprovar? Por que não conseguimos aprovar cotas sociais nas universidades? Hoje o Supremo está tendo que dizer se pode ou não pode ter cotas para negros porque a política brasileira é conservadora. Não estou defendendo. Só estou dizendo que não está apenas neles.

A sra. enxerga algum modo de romper esse conservadorismo? O que falta para que a Câmara discuta temas que estão em pauta na sociedade?
A sociedade se mobilizar mais e mais. Acredito que existem dois tipos de atuação parlamentar. Aquela que o povo vem para cá e luta e aquela que o povo não está aqui. Se hoje existe Ficha Limpa no Brasil, é porque o povo se mobilizou. A única forma da gente fazer nossa política avançar, da gente ter conquistas, de minimizar o conservadorismo, é mostrar o que a sociedade quer, o que a sociedade exige, o que a sociedade não se conforma. Isso vale para a homofobia. É mostrar que a gente não aceita mais que os jovens morram, que a gente não aceita mais que crianças se matem saindo da escola, que a professora chamada de sapatão não seja humilhada. É mostrar que a gente não aceita mais uma sociedade com desigualdade. Se a sociedade se organiza, mostra, grita, o Congresso vai se sensibilizando. Em última instância, o voto. As pessoas ficam aqui por voto. A maior parte do Congresso é conservadora porque a sociedade vota nesses conservadores.

De certa forma, é um reflexo do que a sociedade pensa?
Acho que é uma tradução do que a sociedade pensa, não acho que seja uma cópia. Porque entre a vontade da sociedade e as eleições existe o chamado poder econômico. As eleições são financiadas com dinheiro privado. O dinheiro faz com que as pessoas conheçam mais a um e menos a outros. Tenho que ter uma visão otimista do Brasil. A gente hoje tem um deputado gay dentro do Congresso que é o Jean, que é super respeitado. Ele é tratado com igualdade aqui dentro. Quantos virão na próxima vez? Quantos terão coragem de se assumir? É um processo que na minha visão é irreversível. É um processo da democracia. A democracia faz o conservadorismo diminuir.

Como tem sido o trabalho em torno da Frente Parlamentar LGBT?
A Frente teve o seu protagonismo maior graças a dedicação incansável do deputado Jean Wyllys. Coordenei a Frente, mas a dividia com outras tarefas. Quando o Jean chegou, fiz questão de passar a coordenação da Frente porque a questão da identidade, da representatividade é importante. Tenho muitos homens que são parceiros na minha luta por igualdade de gênero, mas eles nunca vão saber o que é o preconceito de gênero. O Jean é primeiro gay que chega a Câmara dos Deputados comprometido com a nossa luta pelos direitos humanos. Ele deu uma visibilidade. Ele é incansável. Por isso o trabalho está melhor. E falo isso com a tranquilidade de quem foi a última coordenadora antes dele. Não há uma crítica a ninguém se não um elogio a ele.

O deputado Jean Wyllys deu início a campanha pelo casamento civil igualitário. Qual a sua opinião sobre o tema? Como pretende apoiá-lo?
Apoio as bandeiras dos direitos humanos em todas as formas que sou chamada a apoiar. Sou parceira, amiga, aqui e nas outras instâncias. Acompanho a luta de amigos meus que têm a união civil e tentam transformar em casamento. Acho que nós todos temos que ajudar. Nosso principal objetivo é explicar a população: casamento não é algo religioso. Nós estamos falando do casamento civil. Ninguém quer obrigar ninguém a se casar em Igreja nenhuma. Nenhum homem divorciado pode casar na Igreja Católica. Quando o divórcio foi aprovado, ninguém obrigou a Igreja Católica a casar as pessoas pela segunda vez. Óbvio. A Igreja acolhe, reconhece e usa os critérios que quiser para reconhecer os seus fieis. Nosso maior desafio é dizer que defendemos o casamento civil. Nós votamos de maneira radical pela liberdade religiosa. Cada religião tem a liberdade de ter entre seus fieis aqueles que concordam com suas ideias ou não.

O número de crimes motivados por homofobia disparou no Brasil. Pelo o que a sra. tem acompanhado no Congresso, é possível que algo de concreto seja aprovado ainda este ano para amenizar esta situação?
Hoje a gente tem uma ferramenta fantástica na luta pelos direitos humanos chamada internet. A gente sabe o que acontece. Isso faz com que a sociedade tenha mais acesso a informação. Isso faz com que as pessoas em Porto Alegre vejam que alguém foi espancado no Rio. Isso faz com que as pessoas se identifiquem na luta por direitos. Sejam solidárias. Isso também ajuda a pressionar o Congresso. Mas eu acho meio difícil. Esse é um ano pequeno, é um ano eleitoral, e as eleições interrompem o ano legislativo.

Aprovado pela Câmara, o PLC 122 se tornou uma grande polêmica e enfrentou uma resistência feroz no Senado durante o ano passado. Como a sra. viu está questão?
Nós temos vários tipos diferentes de polêmica. Não acho que a polêmica do nosso lado nos ajude. Precisamos ter uma opinião entre nós. É preciso que a sociedade que luta por direitos humanos esteja unificada. A divisão do nosso lado só favorece a divisão do setor mais conservador.

A senadora Marta Suplicy foi bastante criticada pela maneira como conduziu as negociações em torno do PLC 122. O que de fato aconteceu?
As pautas sensíveis precisam ser tratadas com a delicadeza que a identidade delas exige. Elas não podem ser alvos de disputa que não sejam a real transformação da sociedade. Nós temos que nos esforçar para que esses ruídos não ocorram novamente.

A bancada evangélica tem apresentado uma série de projetos que vão de encontro aos direitos civis LGBT, como o caso da “cura gay”, proposto pelo deputado João Campos. Estamos caminhando para um país dominado por fundamentalistas religiosos?
Não tenho nenhum motivo para acreditar que a democracia brasileira esteja frágil. Nenhum. Todas e quaisquer hipóteses que digam que a democracia brasileira será derrotada, eu julgo como falsa. Na minha avaliação, a nossa luta é para garantirmos que o Brasil seja um país democrático, em que há liberdade religiosa e que as pessoas se respeitem. Nós temos parceiros em todas as religiões para garantir que essa nação siga sendo o país da liberdade, da diversidade, da convivência harmoniosa entre os diferentes.

Se compararmos o comportamento da sociedade hoje ao de anos atrás, podemos sentir uma força do conservadorismo. A sra. acha que estamos nos tornando um país mais careta?
Quando as mudanças estão vindo com muita força, aqueles que são contrários a elas reagem com mais força. Não acho que o Brasil retrocedeu nesse processo maravilhoso de construção das mudanças. Não acho que somos um país mais careta. Mas como estamos passando por transformações cada vez mais fortes, eles reagem com cada vez mais força também. Num país que tem internet livre, em que 90 milhões de pessoas usam internet, não tenho como acreditar que essas pessoas não terão mais acesso a informação e não serão melhores porque a democracia de verdade, o conhecimento forma pessoas melhores, liberta.

Como a sra. avalia a atuação do Governo Federal hoje em relação a pauta LGBT? A presidenta Dilma tem sido omissa nesta questão?
Nós temos algumas áreas que atuam de maneira razoável, com algumas ações mais sólidas do Ministério da Saúde, e acho que agimos de maneira conservadora para avançar. Nós temos uma política consolidada, não somos um país que não trabalha com o tema LGBT de maneira transversal, mas quando tentamos ir um pouquinho além, o conservadorismo ainda é vencedor.

Então falta pulso do Executivo?
Pulso não, ousadia sim.

O seu partido integra a base aliada do Governo. Como ele tem se posicionado diante destas questões? Qual a opinião do partido sobre estes temas?
Todos os membros do Partido assinam a Frente. Temos uma unidade em torno destes temas. A minha postura é a do todos os deputados do PCdoB.

A sra. tem liderado as pesquisas de intenção de voto para a prefeitura de Porto Alegre. Se eleita, de que maneira pretende trabalhar a questão na cidade?
Fazendo a minha cidade ser aquilo que foi no passado, uma cidade que respeita as pessoas naquilo que elas têm de melhor que é a sua diversidade. O que faz a espécie humana fantástica é a diversidade. Porto Alegre surgiu dessa diversidade, se tornou mundialmente conhecida por respeitar e defender a diversidade e é hora de retomar políticas que nós já tínhamos de respeito, de punição àqueles que não praticam o respeito à diferença.