Aos que amo, evitem andar só!
Luiz Modesto
Espero que tudo esteja bem contigo ao ler estas linhas. Escrevo para compartilhar um aperto que tem convivido de forma conflitante com a esperança em meu peito.
A cada dia recebo nova e mais impactante notícia sobre a violência que temos sofrido nas ruas e nas famílias. Xingamentos, ameaças, demissões, espancamentos e assassinatos. Todos os dias nos chegam relatos.
Sei que teu corpo em transformação te torna alvo. Tua cor, cabelo e roupas te tornam alvo. Teu desejo de uma sociedade mais justa e socialista, teu feminismo, tua defesa do desenvolvimento e da soberania nacional atraem ódio. Discordar pode ser sentença.
Nossos dias contemplam as tragédias passadas e veem a roda da história repeti-las sob a mais absurda farsa, dando triste concretude à máxima do autor do 18 Brumário de Luís Bonaparte.
Sei que vocês tem sentido insegurança e desconforto em alguns locais públicos e as vezes em suas próprias famílias, e pelo que tenho entendido, não são muitos os que se mostram dispostos a chegarem às vias de fato. Sei que o que dá mais insegurança é a conivência ou apatia daqueles que considera pessoas boas e o silêncio obsequioso de parcela dos que falam sobre democracia.
Na Berlim das vésperas de Hitler, os bares e cafés fervilhavam cultura e liberdade. Era oásis para o mundo progressista e para quem buscava respirar ares mais leves. Janelas começaram a ser estilhaçadas e nenhum vizinho se levantou.
Pessoas começaram a ser presas por serem ou pensarem diferente e todos fingiam não perceber. Houve fogueiras de livros, e teve quem assistiu as chamas iluminarem as ruas de suas janelas. Judeus, homossexuais e comunistas começaram a ser levados para os campos de concentração, e tudo parecia natural.
O Führer era o grande líder de uma “Alemanha acima de tudo”, lema nazista. Um mito!
Tal como os anos de chumbo no Brasil, desinformação e conivência social permitiram a continuidade do regime e a repressão da resistência.
O messianismo de hoje ressuscita o voto de cabresto em alguns templos, desperta em parcela significativa das Forças Armadas a ousadia de retomar as rédeas da Nação e autoriza a livre manifestação da violência indiscriminada, pondo em terra a premissa do estado como único detentor do uso da força.
No contra fluxo desse aperto, a esperança pede para resistir nesses poucos dias que nos restam. É necessário ter em mente as especificidades tenebrosas dessa quadra da história e refinar nossa forma de agir.
Podemos ser vitoriosos – e haveremos de ser! – mas ainda restará um fel a diluir nos anos que virão.
Sei que vocês são fortes e não se afastam de nossas trincheiras, e que essa obstinação e força é nossa chave para a vitória, mas peço com carinho e cuidado: não andem a sós.
Escrevam, conversem, organizem, denunciem, mas olhem ao redor. A democracia não nos pede martírio, mas luta organizada e inteligente.
Ampliar nossas fileiras é essencial e os nossos já estão aqui, todos e todas. Há progressistas nas igrejas, lojas e fábricas, mas precisamos trazê-los. Onde menos imaginamos há quem também se incomode com isso tudo que tem emergido, mas não entenderam se usarmos nossos argumentos.
É preciso olhar com os olhos do outro, sentir com o coração e a carteira do outro, reconhecer seus anseios e fazer o chamado: vem que estamos contigo!
Se a tática do inimigo, tal como os Jesuítas com os nativos, foi aprender a forma de falar e as necessidades de quem querem conquistas, a nossa, que somos parte desse povo, é de mergulhar profundamente em suas inseguranças e medos e semear esperança na democracia.
Te peço, inteligência tática e atenção a tudo o que está ao teu redor, cautela e evitar andar só. Precisamos de você bem para o momento seguinte, o de preparar o Brasil para um tempo de paz e prosperidade.
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Luiz Modesto é militante LGBT e colunista do Maringay há 10 anos