Se você é LGBT, vá para Cuba

Carta Capital

O juiz Anthony Kennedy, 78 anos, presidente da Suprema Corte dos EUA, foi quem decidiu, em 26 de junho, em favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Ninguém sabia de antemão para onde iria o seu voto de Minerva nessa rixa pantanosa que rachou, mais uma vez, o tribunal entre liberais e conservadores: 5 a 4 foi o resultado apertado.

De todo modo, depois daquele dia, os Estados Unidos não serão os mesmos. O mundo, que tanto olha e macaqueia a América, também não. Kennedy, como antecipa o nome, vem de família irlandesa, católica, e foi indicado para a mais alta Corte norte-americana pelo ex-presidente Ronald Reagan, mas o fato de ter nascido naquela Califórnia muito relax deve ter amaciado nele qualquer pendor para a intransigência.

Por ironia, o juiz Kennedy decidiu a favor dos liberais com uma irrespondível retórica conservadora. Alegou que o casamento é uma instituição tão sagrada – como quer a turma da Bíblia no sovaco – que não cabe aos homens impedir a alguém o direito de ter acesso a ela: “Nenhuma união é mais profunda do que o casamento, já que encarna os mais altos ideais de amor, fidelidade, devoção, sacrifício e família”.

Era o que, entre avanços e percalços, 36 estados já facultavam. Os 14 que se recusavam, aquele núcleo machista, racista e violentamente repressivo do Meio-Oeste, do Texas para cima, até Dakota do Norte, não pode mais barrar o acesso a esse direito civil a quem quer que seja, da mesma forma como, no passado, esses mesmos estados, até os anos 60, segregavam, excluíam, barravam o acesso aos direitos de cidadãos por causa da cor da pele.

Os Estados Unidos chegam razoavelmente atrasados no quesito jurídico da emancipação gay. Um mês atrás, a supercatólica Irlanda aprovou em referendo a união homo. A libertária Holanda tinha dado o exemplo em 2001, a vizinha Bélgica a seguiu em 2003 e os países escandinavos vieram na cola, se bem que antes deles uma surpreendente Espanha (em 2005) e a inesperada África do Sul (2006) tinham decidido pela legalização dos laços homoafetivos.

Assim como aconteceu nos EUA, no Brasil o direito de pessoas do mesmo sexo se unirem num contrato civil ainda chafurdaria no atoleiro legislativo, num Parlamento onde proliferam os pistoleiros do crepúsculo moral (o primeiro projeto, da então deputada Marta Suplicy, é de 1995), se não fosse uma sequência de decisões emanadas da Justiça. A primeira, de 2011, veio do Supremo Tribunal Federal, que considerou constitucional a união dos homossexuais em casamento. Dez ministros votaram a favor – nenhum contra, nem mesmo os brucutus de plantão. Em 14 de abril de 2013, o Conselho Nacional de Justiça ratificou a decisão do STF e deu realidade concreta a ela: se um casal gay chegar a um cartório civil e quiser legalizar sua união, basta seguir os requisitos da burocracia. Não há nenhuma barreira legal que o impeça.

Uma coisa é o que está escrito na lei, outra é como os hábitos e costumes da sociedade encaram, no dia a dia, a realidade homoafetiva. Nesse aspecto, vai mal o Brasil de Eduardo Cunha, do pastor Silas Malafaia e dos sedosos Marco Feliciano e Jair Bolsonaro. Segundo o site gay Planet Romeo, em pesquisa mundial com 115,5 mil entrevistados e teve a assessoria da Universidade de Mainz, na Alemanha, é mais espinhoso ser gay aqui do que em Cuba. Ou seja, a feroz ditadura castrista, na versão da nossa mídia, é mais tolerante com os dissidentes do sexo do que a hipócrita democracia à brasileira.

A pesquisa que apresentou o Gay Happiness Index (GHI), o índice de felicidade gay, leva em conta a opinão pública, o comportamento em público e a satisfação pessoal. Propôs perguntas objetivas, como: você teria coragem de beijar seu parceiro (ou parceira) à vista dos outros? O mapa do GHI, se confrontado com o mapa do casamento gay, mostra que há países em que a tolerância chegou antes da legislação. É o caso de Israel (sétimo no ranking do GHI, vínculo homoafetivo não reconhecido) e da Alemanha (14º, idem). Conclusão: a lei ajuda, mas não consegue oferecer uma proteção total contra o preconceito, o sarcasmo e a violência.