73% dos jovens LGBT dizem ter sido agredidos na escola

Folha de S.Paulo

Uma pesquisa mostrou que 73% dos jovens entre 13 e 21 anos identificados como LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais) foram agredidos verbalmente na escola em 2015 por causa da sua orientação sexual. É o maior índice entre outros cinco países da América Latina, onde a mesma pesquisa foi realizada.

A Pesquisa Nacional sobre Estudantes LGBT e o Ambiente Escolar foi realizada no Brasil pela ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais), uma rede que reúne 308 organizações pelo país. Levantamento com a mesma metodologia também ocorreu na Argentina, Chile, Colômbia, Peru, Uruguai e México (os dados do México ainda não foram divulgados).

Na comparação com os países vizinhos, os resultados do Brasil no item sobre agressão verbal são seguidos de Argentina (72,1%) e Peru (71,9%). Entre aqueles que sofreram agressões verbais no último ano no Brasil, 22,8% disseram que isso ocorreu “frequentemente” ou “quase sempre”.

O país com menos relatos de agressão verbal entre estudantes LGBT foi registrado no Uruguai. O índice no país ficou em 49%.

Agressões físicas causadas pela forma como os estudantes expressam seu gênero foram relatadas por 24,6% dos jovens brasileiros ouvidos pela pesquisa. Neste item, o maior percentual foi identificado na Colômbia, com 42,5%.

No Brasil, foram ouvidos 1.016 estudantes pela internet entre dezembro de 2015 e março de 2016. O questionário foi disponibilizado por meio de grupos comunitários LGBT, mídias sociais voltadas para esse público, além de sites de organizações parceiras, órgãos estudantis, sindicatos, instituições nacionais e locais ligadas à educação e aos direitos humanos.

INSEGURANÇA

Para estudantes com orientações sexuais diferentes da heterossexual, a escola não é um ambiente tranquilo. Cerca de 60% dos estudantes brasileiros que participaram do levantamento dizem se sentir inseguros na instituição educacional por causa de sua orientação sexual. Dentro da escola, os ambientes em que o medo é maior é no banheiro (37,4%) e nas aulas de educação física (36,1%).

Hoje na universidade, o estudante Lucas Siqueira Dionísio, 21, não tem boas memórias do tempo de escola. “No tempo em que eu comecei a me aceitar, na 6ª série, fui rotulado como gay afeminado e não era aceito. Só tinha um amigo”, diz ele, que sempre estudou em escolas públicas na cidade de Cornélio Procópio, interior do Paraná.

“Por dois anos eu chorava todos os dias e não queria ir para a escola. A gente passa mais tempo na escola do que em casa, conhece o mundo dentro da escola. E esse mundo que eu conhecia eu não queria viver”, diz.

Segundo ele, o assédio e “piadinhas” se estenderam por todas as séries finais do ensino fundamental. “No ensino médio virou agressão física, foi bem pior”. Dionísio participou da pesquisa e da coleta de relatos dos jovens. “Muitos do que eles falavam faziam eu lembrar a minha experiência na escola.”

Mesmo com a alta frequência de agressões, mais da metades dos jovens ouvidos (53,9%) dizem nunca ter presenciado a intervenção de profissionais da escola quando houve comentários “LGBTfóbicos”. Para 56,9%, questões ligadas ao tema nunca foram abordadas nas aulas -outros 16,7% dizem que houve a abordagem, mas de modo negativo.

Apesar disso, a maioria dos estudantes (88,1%) conseguiu identificar pelo menos um integrante da equipe escolar que acreditava ser acolhedora de estudantes LGBT. O estudo mostra que 60,9% dos jovens se sentem à vontade de conversar com os professores sobre isso.

O diretor de Educação da AGLBT, Toni Reis, ressalta que a “LGBTfobia” é ignorada no ambiente escolar, o que limita o sucesso da escola na sua missão de desenvolvimento humano. “Há um silenciamento e individualização por parte da escola. As pessoas veem e não querem tratar do assunto. Tratam como se as agressões fossem normais, coisa de adolescente. Mas isso magoa, chateia a causa até suicídio”.

Estratégias para combater a desigualdade de gênero foram retiradas da maioria dos planos de educação estaduais e municipais, desenvolvidos nos últimos dois anos. O mesmo já havia ocorrido com o PNE (Plano Nacional de Educação), sancionado em 2014. Em todos os casos, houve pressão de bancadas conservadoras e grupos religiosos.

Para Reis, os professores têm medo de tratar do assunto e mexer com a cultura estabelecida. “O problema é a intolerância, mas o que precisamos pregar é o respeito”, diz.

Os resultados da pesquisa serão apresentados nesta terça-feira (22) em audiências públicas no Congresso Nacional. A AGLBT vai propor um conjunto de ações relacionadas ao combate da “LGBTfobia”. Entre elas estão alterações na formação inicial dos professores, campanhas contra violência e premiações a boas práticas.

Além disso, o grupo planeja intensificar o ingresso de medidas judiciais para responsabilizar governos e escolas particulares nos casos graves de agressão.
Na América Latina, a realização da pesquisa nos seis países foi coordenada pela ONG Chilena Todo Mejora, enquanto a rede GLSEN (Gay, Lesbian & Straight Education Network), dos Estados Unidos, proporcionou apoio técnico. No Brasil, além da ABGLT, o estudo teve apoio do Grupo Dignidade e da Universidade Federal do Paraná.

Outro parceiro na divulgação foi a Rede Globo, que mantém desde o meio deste ano a plataforma “Tudo começa pelo Respeito”. Além de articular a promoção de temas ligadas ao direitos humanos em todos os produtos da emissora, a plataforma ainda reúne uma série de vinhetas que trata de tolerância e respeito.

Os vídeos têm sido vinculados nos intervalos da grade da TV Globo. “Nosso trabalho é articular com essas organizações que tratam desses temas e colocar o foco certo nessas questões, como ocorre agora com a homofobia”, diz a diretora de responsabilidade social da Globo, Beatriz Azeredo.